A criança que amava Pokémon

Fabio Bracht
6 min readAug 19, 2016

--

Quando tinha uns doze ou treze anos, meus pais chegaram em casa com o presente mais legal e mais importante que já ganhei na vida.

Um Game Boy Color, edição especial do Pokémon.

This guy.

A caixa reluzia com detalhes cromados, e eu não acreditava no presente. Havia tomado coragem um tempo antes pra pedir o brinquedo para o meu pai, mas, com medo de ouvir um não se pedisse o modelo mais caro e bacana, disse que podia ser o mais barato, o Game Boy Pocket — que não tinha tela colorida nem edição especial.

Mas não. Meu pai chegou com o Color. Edição especial. Meu sonho. Com o Pokémon Yellow, que seguia mais à risca a história do desenho.

Eu peguei a caixa das mãos dele e corri pro quarto. Meu irmão só tinha uns sete anos, mas dava pra ver nos olhos dele, e no fato de que mal falou muita coisa durante esse momento todo, que ele entendia: aquilo era especial.

Alguns meses antes, eu passava em frente a uma banca de revistas quando vi a fatídica edição 11 da revista Nintendo World. Ash e Pikachu na capa. Provavelmente a primeira revista a trazer a franquia na capa no Brasil. Alguma chamada sobre a “invasão” da “Pokémania”, ou algo assim. Sempre gostei de comprar revistas, mas nenhuma foi mais importante do que aquela. Abri a revista e li sobre aquela coisa nova. Não demorou quase nada pra eu me apaixonar por cada coisa que lia.

(Vale o parêntese: foi, aliás, a primeira vez na vida que eu reparei no nome de quem assinava um texto. Era Pablo Miyazawa, assinando o "detonado" de Pokémon Red & Blue. Depois de adulto, me tornei jornalista graças à ajuda dele, quando bati na porta da editora onde ele trabalhava. Trabalhamos juntos por um tempo. Inclusive na própria Nintendo World. Inclusive escrevendo sobre Pokémon.)

O desenho que passava no programa da Eliana foi a primeira coisa que eu programei o videocassete para gravar, porque passava quando eu estava na escola. Foi também a primeira vez que chorei com uma obra de ficção. (#FicaButterfree 😢)

Os tazos que vinham nos salgadinhos da Elma Chips foram a primeira coleção que eu completei. Uma das primeiras vezes que fui ao cinema? Pokémon: o Filme.

Nas longas viagens de carro entre RS e SC que às vezes fazíamos para a casa dos meus avós, meu irmão e eu brincávamos de decorar a tabela de vantagens e desvantagens de tipo. Ou de falar nomes de Pokémon até que algum de nós não conseguisse puxar mais nenhum da memória. Isso, claro, depois que as pilhas do Game Boy acabassem.

Quando fiquei sabendo sobre o card game do Pokémon, logo que ele chegou ao Brasil, vi que não conseguiria participar daquilo. As cartas seriam muito caras, e provavelmente nenhum amigo meu iria tê-las. Fiz o óbvio (para uma criança apaixonada): desenhei dezenas de cartas, à mão, em folhas de caderno com linha, e joguei com meu irmão no tapete da sala. Improvisando as regras.

Aliás, falando em desenhar: um por um, desenhei quase todos os 150 Pokémon da primeira geração. Olhava as artes oficiais no pôster que eu tinha atrás da porta do quarto e copiava. Foi a primeira e única vez que desenhei coisas na vida. Devia ter continuado.

Pena que não tenho fotos de nada disso. Mas está tudo na memória.

Um dia entrei no quarto e vi um adulto. Um cara de 30 anos. Era eu mesmo, vindo do futuro, e a conversa que tivemos foi mais ou menos assim:

— Vim aqui pra te contar uma coisa.
— O quê?
— Lembra esses dias quando tu tava jogando Pokémon Yellow deitado no sofá da sala, aí tu parou, descansou o Game Boy no peito e pensou, “cara, eu nunca vou deixar de gostar disso aqui, nem quando eu for adulto”?
— Como é que tu sabe disso??
— Porque eu lembro. E te digo mais: tu estava certo. Não precisa ter medo de se tornar um adulto chato: a gente nunca vai deixar de gostar de Pokémon.
— Nunca?
— Nunca.
— …vai ter muitos? Vi que vão descobrir mais 100 no Gold e Silver, vai ser tão legal!
— Sim! Mas tu vai ter que esperar pra saber quantos. E vai ser muito legal mesmo. E o Sandshrew vai continuar sendo um dos teus favoritos.

Continuamos conversando, e o adulto me contou umas coisas muito loucas.

Ele disse que um dia eu teria dinheiro pra comprar meus próprios jogos sem pedir pra ninguém, e mais do que isso: que eu teria pra comprar de presente pra outras pessoas que ainda não gostavam! Fiquei mais empolgado ainda quando ele disse que pelo menos duas namoradas que eu teria no futuro ficariam apaixonadas por Pokémon depois que eu desse os jogos de presente pra elas. Imagina só! Ter uma namorada e jogar Pokémon com ela!

Me contou também que um dia eu faria um amigo pela internet (na época eu nem sabia o que viria a ser a internet) querendo trocar um Onyx. Que esse amigo viria a ser muito importante na minha vida, me apresentando várias pessoas legais em um lugar completamente diferente e me lembrando do quanto eu gostava de Pokémon em uma época em que eu meio que esqueceria isso um pouco. Mas que ele iria morrer muito cedo. Antes mesmo de ver que o Ninetales um dia seria tipo gelo. Antes de conseguir capturar Pokémon na vida real.

Precisei interromper. “Na vida real?”

“Sim”, continuou o meu amigo do futuro, me dando o maior e melhor spoiler que eu já tomei na vida. Um dia vai existir um aparelho que é tipo um Game Boy, mas sem botões. Só com uma tela enorme, que vai dar pra jogar encostando nas coisas dentro da tela! E com uma câmera, e com um negócio que sabe o mapa das ruas de onde eu moro e em que lugar eu estou o tempo todo se eu andar por aí! E que o jogo do Pokémon que vão fazer pra esse videogame vai ser muito legal porque eu vou ter que procurar Pokémon nas ruas, e vou conseguir ver eles no mundo real usando a câmera. Quase todos os meus amigos vão jogar também (sim, mesmo todos sendo adultos!), e a gente vai sair pra capturar Pokémon nas ruas, em shopping, em parques, praças, em outras cidades…

Eu mal podia esperar.

Pirações de viagem no tempo à parte, a verdade é que Pokémon, pra mim, é a prova de que a criança interior nunca precisa morrer. Nunca precisa nem sequer ser menos importante do que o adulto que vem pra conviver com ela.

Eu tenho 30 anos, trabalho, me viro sozinho, pago contas, lido com gente séria e capturo Pokémon. A relação que eu tenho com esse universo já tem quase 20 anos. Desde que comecei a gostar de Pokémon eu já mudei da água pro vinho e de volta diversas vezes, já comecei e terminei diversas fases da vida, já fui casado e solteiro, já morei em uns quantos lugares diferentes. Já fui diversos Fabios diferentes, com surpreendentemente poucas coisas em comum entre eles. Mas Pokémon sempre foi uma constante.

Se eu pudesse voltar no tempo, eu diria para o pequeno Fabio de 12 anos que ele está certo em pensar que nunca vai deixar de gostar de Pokémon. Da mesma forma, eu acredito que Fabio de 60 anos poderia voltar pra 2016 e dizer o mesmo.

A criança que amava Pokémon ainda ama.

--

--

Fabio Bracht
Fabio Bracht

Written by Fabio Bracht

Cares too much about: 1. Design, 2. Board games, 3. Lists having at least three items.

Responses (2)